Nem treinador, nem olheiro – foi um psicólogo que o encaminhou para o Judo. O excesso de energia, a dislexia e traquinices constantes, tinham resistido a todas as medidas anteriores. “Judo? O que é isso?”, perguntou o diabinho de apenas seis anos. A resposta chegou dias depois, em Santarém, num antigo celeiro transformado em dojo, sabiamente baptizado de Portas do Sol. Assim foram para Nuno Delgado, ali acolhido pelo mestre Anjinho. Se os nomes não podiam ser mais premonitórios, o futuro deu-lhes sentido: “A minha primeira aula de judo talvez tenha sido o momento mais importante do que todas as conquistas posteriores. Foi a grande mudança da minha vida.”
A estreia em competição aconteceu aos 11 anos, no Entroncamento. Um campeonato regional de juvenis, em que combateu sem saber se estava a ganhar ou a perder e do qual saiu distante do desejado apuramento para o nacional. Consolou-se a treinar mais, aplicando no tapete o frenesim que o levara já a partir a cabeça várias vezes. Os resultados mostrou-os no ano seguinte: foi ao nacional, ganhou todos os combates e voltou a casa campeão.
Se os outros se preparam para a competição, Nuno Delgado sempre se preparou para o treino seguinte. Um dos pilares que suportam a carreira desportiva que faz dele o melhor judoca português de todos os tempos. Estatuto selado à escala olímpica, com a medalha de bronze em Sydney’2000, a primeira conquista do Judo nacional em Jogos Olímpicos. Foi distinguido com a Medalha de Honra de Mérito Desportivo e, no mesmo ano, ao serviço dos alemães do TSV Abensberg, somou ainda a Bundesliga e a Taça dos Campeões Europeus ao palmarés pessoal, que incluía já o ouro europeu (Bratislava, 1999).
Os anos seguintes confirmaram que Nuno Delgado não iria viver agarrado ao passado, ambicionava construir um futuro diferente através do desporto: prata no Europeu por equipas (2001) – ao serviço do Sport Algés e Dafundo (o melhor resultado de sempre de Portugal em provas colectivas) – e no Grand Prix de Moscovo (2001), foi bronze no mais exigente torneio do Mundo, o Super A de Paris (2002), e é o único português bicampeão no Super A da Alemanha (2002 e 2003).
Porta-estandarte da equipa olímpica nacional no regresso dos Jogos ao Olimpo de Atenas, em 2004, teve a infelicidade de fracturar um dedo no treino que antecedeu o primeiro combate e não conseguiu repetir o feito de anos antes, quando foi obrigado por professores a fazer testes com o braço partido para acabar o curso. É Licenciado em Ciências do Desporto, pela Faculdade de Motricidade Humana e graduado pela Fundation Degree of Sports Performance in Judo, pela Universidade de Bath, Inglaterra.
Consciente de que teria de encontrar outras compensações para a adição pelas medalhas, o campeão que se fez do amor ao Judo e da transcendência como procura do equilíbrio pessoal, entregou-se então definitivamente ao seu maior projecto desportivo: a Escola de Judo Nuno Delgado e o programa Formar Campeões Para a Vida. A combinação perfeita para uma alma lusófona – das recordações solidárias de Cabo Verde, das portas sempre abertas para receber mais um para almoçar, e dos ensinamentos do Judo sobre o benefício mútuo, porque ninguém aprende a cair sem ajuda de outro. No Terreiro do Paço, em 2011, foram mais de 4000 as crianças que receberam esta mensagem, naquela que foi a primeira “Maior Aula de Judo do Mundo”, uma iniciativa que teve a parceria da Fundação Nelson Mandela e recebeu o Prémio Inclusão Social da União Europeia de Judo.
A 27 de Maio de 2015, Nuno Delgado foi agraciado com o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique, o que só reforçou o seu empenho pessoal em servir a comunidade através da “lógica da máxima eficiência, mínimo esforço, que baseia a técnica, para que o benefício mútuo oriente a consciência colectiva de respeito pelo outro como base do sucesso”. Porque uma “resposta certa não é igual a uma resposta completa” e só se persegue a excelência tendo a noção de que “o nosso maior inimigo somos nós próprios”.
Foram estes os valores que cultivou e partilhou enquanto Chefe Adjunto da Missão Olímpica de Portugal em Londres (2012) e como Chefe da Equipa Técnica de Judo nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro (2016), nos quais reviveu a sua glória de Sydney com a conquista da segunda medalha olímpica pelo Judo português.
Rui Hortelão (para saber mais, clique aqui)